domingo, 15 de fevereiro de 2015

UM CRIME COM MUITOS CÚMPLICES






ZERO HORA 15 de fevereiro de 2015 | N° 18074


EDITORIAL


No conjunto de irracionalidades geradoras de tragédias no trânsito, o consumo de bebidas alcoólicas por motoristas tem lugar de destaque.


Beber e dirigir é crime tipificado pelo Código de Trânsito Brasileiro (CTB), que pode resultar em caso de acidente grave, com vítima em pena de detenção de seis meses a três anos, além de multa e suspensão da habilitação. Mas pode-se contar nos dedos os motoristas presos no país em decorrência dessa irresponsabilidade criminosa, que provoca mortes e mutilações aos milhares nas estradas brasileiras, especialmente em feriadões de grande movimentação de veículos como é este do Carnaval. A punição branda, que em muitos casos beira a impunidade, é certamente uma das causas do morticínio no trânsito em nosso país, mas não é a única nem a principal. Antes dela, temos a má formação dos condutores, a falta de educação e de fiscalização, os abusos de toda ordem, a leniência das autoridades e até mesmo estradas mal planejadas e mal sinalizadas.

Nesse conjunto de irracionalidades geradoras de tragédias, o consumo de bebidas alcoólicas por motoristas tem lugar de destaque. Temos uma Lei Seca, que prevê multas pesadas para quem for flagrado com índices de alcoolemia acima dos limites, mas os condutores que bebem sempre acham que não vão ser flagrados. Pior: acham que manterão reflexos suficientes para dominar seus veículos sem grandes riscos.

Por isso ocorrem os acidentes. O álcool, como cansam de advertir os especialistas, provoca redução da sensibilidade visual, da percepção de velocidade e distância. Reduz a coordenação motora e a autocrítica, fazendo com que a pessoa se sinta poderosa. Esse combustível da arrogância transforma pessoas comuns em assassinos.

Os criminosos do trânsito movidos pelo álcool têm muitos cúmplices. Se temos uma legislação suficientemente rigorosa, como sustentam os legisladores e os juristas, são cúmplices todos os agentes públicos que deixam de fiscalizá-la e de aplicá-la. Se motoristas irresponsáveis insistem em dirigir alcoolizados, são cúmplices todos os parentes e amigos que, conhecendo a situação e podendo interferir, deixam de fazê-lo por motivo afetivo ou pela suposição de que nada acontecerá. Se os assassinos do trânsito permanecem impunes, é cúmplice – e vítima – a sociedade, que não consegue criar uma cultura de educação, prevenção e responsabilização consequente para os infratores.

DETIDO PELA QUARTA VEZ EMBRIAGADO, MOTORISTA DORME NA DELEGACIA

ZERO HORA 29/09/2014 | 21h37


Motorista é detido por dirigir embriagado pela quarta vez e dorme na delegacia. Delegada estipulou fiança de R$ 5 mil para que homem seja liberado




Foto: PRF / Divulgação


Depois de ser flagrado ao dirigir embriagado pela quarta vez, um motorista resolveu tirar um cochilo na delegacia de Passo Fundo, no norte do Estado, nesta segunda-feira.

O homem, de 54 anos, foi abordado pela Polícia Rodoviária Federal (PRF) por dirigir colidindo com a calçada e parando enquanto de deslocava do Centro do município à BR-285, rodovia que liga Passo Fundo a Carazinho.

A polícia constatou que o condutor apresentava sinais de embriaguez, mas ele se negou a realizar teste do bafômetro. Ele foi encaminhado a um hospital, onde um médico constatou a presença de álcool no sangue do motorista por meio de um exame clínico.


Depois, o homem foi levado à Delegacia de Polícia de Pronto Atendimento (DPPA) da cidade, onde foi autuado por dirigir embriagado. No local, ele ainda teria sido irônico com a delegada plantonista, que estipulou o pagamento de uma fiança de R$ 5 mil para que ele seja liberado.

Na delegacia, o condutor acabou dormindo no chão, o que chamou a atenção dos policiais. Esta é a quarta vez que o motorista é flagrado dirigindo após ter consumido bebida alcoólica, conforme a PRF.

EM OUTROS PAÍSES, MULTAS PESADAS, LEIS DURAS E JUSTIÇA ÁGIL E COATIVA CONTRA BÊBADOS NA DIREÇÃO



ZERO HORA 15/02/2015 | 09h35


Como é, em outros países, a legislação sobre bebida e direção. Conheça as regras da Colômbia, Espanha, EUA, França, Japão e Suécia


por Marcelo Monteiro



Reportagem de ZH discute qual deve ser a punição para motoristas que dirigem sob efeito de álcool. Veja como é a legislação em outros países:

Colômbia

Além do cancelamento da carteira, a lei que rege "a condução sob uso de álcool e de outras substâncias psicoativas" prevê multa equivalente a R$ 34 mil.

Espanha


Além da possibilidade de ir preso, o condutor flagrado com taxa de 1,2 grama ou mais de álcool por litro de sangue tem suspenso por até quatro anos o direito de dirigir. Rejeitar o bafômetro ou exame de sangue resulta em prisão de seis meses a um ano.

Estados Unidos

Ao envolver-se em um acidente, o motorista embriagado é identificada como alcoólatra e recebe duas alternativas: fazer tratamento ou ir para a cadeia. Durante o tratamento, a pessoa é submetida a exames de urina para avaliar se permanece "limpa" ou se teve recaídas.

França
Em caso de acidente, o motorista embriagado pode ter a licença para dirigir suspensa por 10 anos, ser preso por cinco anos e pagar multa de R$ 200 mil.

Japão

Um motorista embriagado que atropela e mata uma pessoa pode ser condenado à prisão perpétua. Embora recursos possam reduzir a condenação, o impacto da pena inicial costuma inibir a imprudência.

Suécia

Como um pedágio, barreiras eletrônicas testam instantaneamente se os condutores consumiram álcool. Quando o resultado indica níveis acima do permitido, as cancelas não se abrem, e o motorista é retido até a chegada da polícia.

NO BRASIL, É DIFÍCIL SER PUNIDO POR DIRIGIR EMBRIGADO



ZERO HORA 15/02/2015 | 09h47

Ser punido por dirigir embriagado é como "ganhar na loteria ao contrário", diz especialista. Professor da Universidade de Brasília (UnB) e doutor em segurança de trânsito pela Universidade Livre de Bruxelas, David Duarte Lima é também presidente do Instituto de Segurança do Trânsito (IST)


por Marcelo Monteiro


Reportagem de ZH discute qual deve ser a punição para motoristas que dirigem sob efeito de álcool. Leia entrevista com David Duarte Lima, professor da Universidade de Brasília (UnB), doutor em segurança de trânsito pela Universidade Livre de Bruxelas e presidente do Instituto de Segurança do Trânsito (IST):



O CTB é suficiente para que motoristas embriagados que matem sejam punidos?


Sim. O artigo 306 diz que é crime de trânsito dirigir sob efeito de álcool, com pena de detenção de seis meses a três anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação. Por que não aplicamos esse artigo?

No Distrito Federal (DF), 200 mil dirigem sob influência de álcool a cada final de semana. Ora, se essa proporção se mantiver para o resto do Brasil, teremos algo como 7 milhões de condutores dirigindo sob influência de álcool a cada final de semana. Quantos foram flagrados? Quantos foram multados? Quantos foram presos?

No DF, dos 200 mil que dirigem sob influência de álcool a cada final de semana, foram multados apenas 14 mil em todo o ano de 2014. Ou seja, uma proporção mínima. No Brasil, provavelmente essa proporção é significativamente menor. A fiscalização é falha, e a punição praticamente inexiste.

Multas e punições administrativas são suficientes?

De cada 10 mil pessoas que falam ao celular dirigindo no DF, apenas uma é multada. Trata-se, portanto, de "ganhar na loteria ao contrário". A grande probabilidade é sair impune. O mesmo acontece com beber e dirigir.

Não precisamos punir rigorosa e excessivamente os poucos flagrados; precisamos punir todos, ou quase todos, com penalidades justas. É melhor ter certeza de punição, mesmo que "branda", do que ter sensação de impunidade. A penalidade deve ser suficientemente pesada para desestimular a infração.

Quando falo em branda, não significa que ela tenha de ser pequena. A punição deve doer no bolso e, eventualmente, prejudicar o infrator.

POR QUE NINGUÉM VAI PARA A CADEIA POR DIRIGIR EMBRIAGADO?




ZERO HORA 15/02/2015 | 09h29


Código prevê o cumprimento do castigo em regime fechado somente em caso de condenações a penas superiores a oito anos


por Marcelo Monteiro


Juiz da Vara de Delitos de Trânsito de Porto Alegre, Volcir Antônio Casal garante que os casos em que a investigação consegue provar que o motorista causador de acidente estava embriagado sempre resultam em julgamento e punição, "por mais que o processo demore um pouco mais tempo em razão das perícias".

Entretanto, por várias razões, penalizar não significa manter o condutor em regime fechado. A principal razão é descrita no artigo 33 do Código Penal, que prevê o cumprimento do castigo em regime fechado somente em caso de condenações a penas superiores a oito anos.


De toda forma, o Ministério Público tem uma alternativa para buscar a condenação do condutor a penas maiores, que resultariam na reclusão em regime fechado. Encerrado o inquérito, em vez de enquadrar o motorista em artigos do Código Brasileiro de Trânsito (CTB), com penas máximas de quatro anos, o promotor pode denunciar o acusado com base no artigo 121 do Código Penal, que determina penas de seis a 30 anos para crimes dolosos (com intenção de matar).

– O homicídio de trânsito não leva para cadeia porque a pena máxima prevista no CTB é de quatro anos. Ninguém fica preso com quatro anos de pena. A lei não permite. Se o caso for a júri, pelo Código Penal, o acusado pode pegar 20 ou 30 anos. E aí, sim, pode ocorrer a condenação ao regime fechado – diz Casal.

Nova regra no CTB dificulta punição

Na opinião do juiz José Luiz Leal Vieira, da Corregedoria-Geral da Justiça do Estado, uma recente modificação na lei deve dificultar a tentativa de se punir mais severamente os motoristas embriagados envolvidos em acidentes fatais. Em novembro, entrou em vigor o parágrafo 2º do artigo 302 do CTB, que prevê, expressamente, a figura do homicídio culposo causado por condutor embriagado. Nesses casos, a pena varia de dois a quatro anos, ou seja, em caso de condenação, o réu cumpriria a pena em regime aberto.

Desta forma, com a existência de uma legislação específica para este tipo de situação, a promotoria terá de buscar mais provas e elementos capazes de comprovar o dolo, podendo, assim, remeter o caso ao artigo 121 do Código Penal. Caso contrário, sem elementos suficientes, o acusado acabará, naturalmente, enquadrado no novo texto do CTB.

– Isso vai tornar bem mais difícil esse enquadramento no Código Penal. Só o fato de o condutor estar embriagado não vai mais resolver – comenta Vieira.




 

NO RS, SÓ UM CONDUTOR PRESO SOB ACUSAÇÃO DE HOMICÍDIO E AINDA NÃO FOI JULGADO

ZERO HORA 15/02/2015 | 04h02

Bebida e direção. Só um condutor preso sob acusação de homicídio no RS. Depois de reclusão de um ano e meio, Altair Teixeira Carvalho ainda não foi julgado




Em 2013, o carro da família de Janaína foi atingido pelo Gol dirigido por Altair Foto: Polícia Rodoviária Federal / Divulgação

Em todas as cadeias do Rio Grande do Sul, há um único condutor preso sob a acusação de homicídio de trânsito. A reclusão, no Presídio Estadual de Lajeado, já dura um ano e meio. Só que até hoje Altair Teixeira Carvalho ainda não foi julgado: está em prisão preventiva e é um exemplo das contradições da legislação brasileira.

Aos 36 anos, o pedreiro nascido em São Luiz Gonzaga e morador de Lajeado há 15 anos não se julga um criminoso, apesar de estar preso desde 3 de agosto de 2013, quando, com um Gol, invadiu a pista contrária da BR-386, atingindo a lateral de uma Pajero e causando a morte de pai e filho. O teste do bafômetro indicou 0,8 miligramas de álcool por litro de ar expelido (mais do que o dobro do limite). Para completar, Altair estava com a carteira suspensa por dirigir embriagado, fugiu do local e acabou preso horas depois, dormindo em sua casa, em Lajeado.

Em 29 de dezembro daquele ano, ele foi pronunciado para ir a júri popular, pelo artigo 121 do Código Penal (homicídio doloso). Mas, em razão de um recurso da defesa, ainda não há data prevista para o julgamento. Para o advogado Marcelo Chaves, contratado por amigos de Altair para tentar tirá-lo do Presídio Estadual de Lajeado, o cliente só está atrás das grades por não ter recursos financeiros. Caso tivesse buscado um advogado logo após o acidente, diz ele, estaria em liberdade.


Assista a trechos das entrevistas de Altair Teixeira Carvalho e de Janaína Estigarriba da Silva

Na entrevista feita no presídio, Altair sorri sem graça. Fala baixo, monotônico na forma, mas incisivo no conteúdo: se a família da caminhonete foi dilacerada, a sua também está sofrendo.

Na Pajero, estavam Lissandro Stroher de Mello, 36 anos, e Janaína Estigarriba da Silva, 31 anos (hoje 33). No banco de trás, os filhos Igor, 11 anos, e Larissa, sete anos. Com o choque, Lissandro e Igor morreram na hora. Janaína e Larissa, que estavam no lado direito do veículo, sofreram ferimentos leves.

Naturais de São Pedro do Sul, Lissandro e Janaína conheceram-se no Baile do Chope, na cidade de 16 mil habitantes na região central. Em 2001, assim que Lissandro saiu do Regimento Mallet, em Santa Maria, onde servira ao Exército durante nove anos, o casal decidiu tentar a vida em Caxias do Sul.

Na noite de 3 de agosto de 2013, a família retornava à cidade serrana, depois de passar as férias na cidade natal. No banco de trás, Igor e Larissa descansavam, ambos usando cinto de segurança e abrigados por um cobertor de lã colocado por Janaína. Ao volante, Lissandro mostrava-se tranquilo, apesar da preocupação de Janaína diante da chuva torrencial que caía sobre a BR-386.

— Nêga, te acalma. Não precisa ficar nervosa. Sou bom motorista — disse Lissandro.

Ao que a mulher, traumatizada pela perda de uma irmã em acidente de trânsito, retrucou:

— Pois é, só que tu tens de se cuidar dos outros.

Por volta de 23h, na altura do quilômetro 345, nas proximidades do Shopping Lajeado, o gol dirigido por Altair invadiu a pista contrária, acertando em cheio a lateral da caminhonete da família. Enquanto populares acorriam para ajudar mãe e filha, presas às ferragens, o motorista do gol deixou o local sem prestar socorro e acabaria preso horas depois, em casa. Retirada das ferragens, em um momento de desespero, Janaína tentou jogar-se contra um caminhão, mas foi contida.

— O Lissandro, como marido, como pai e como amigo, não existia igual. Era uma pessoa maravilhosa. E ele perder a vida da forma que perdeu, não tenho palavras. Foi o melhor marido do mundo — comenta.

Um ano e meio depois do acidente, Janaína e Larissa escoram-se uma na outra para seguirem vivendo. Para lidar com a perda, a mãe toma antidepressivos. Sem trabalhar, ela utiliza quatro remédios, que se juntam a duas carteiras de cigarro diárias, em uma espécie de coquetel contra o abatimento — nos primeiros meses após o acidente, eram quatro maços por dia.

— Estou em pé e forte por ela — diz Janaína, referindo-se a Larissa, olhos fundos de tantas lágrimas derramadas.

Nas paredes do apartamento, no bairro Morada dos Alpes, em Caxias, fotos lembram momentos felizes, dos tempos em que a família ainda era um quarteto. Neste ambiente, enquanto fala a Zero Hora, Janaína emociona-se ao lembrar do filho:

— O Igor, amado da mãe, era uma criança alegre, feliz. Estava sempre de bem com a vida. Tinha um sonho tão lindo: queria ser jogador de futebol. Ele e o pai dele eram fanáticos pelo Grêmio.

Sobre o motorista do Gol, Janaína afirma não ter como perdoá-lo neste momento, mas frisa repetidas vezes que espera a sua punição na justiça:

— Espero que ele seja condenado.



"Eu não tive culpa, não quis fazer"

Entrevista com Altair Teixeira de Carvalho (foto acima), pedreiro, 36 anos, acusado de matar pai e filho no trânsito

O que mudou na tua vida?
Mudou muito. Faz um ano e meio quase que estou aqui, nada resolvido e a família lá fora sofrendo, sem receber nada.

Tua família está passando por alguma dificuldade?
Claro. O que eu podia dar para eles, não estou dando. Estou aqui preso, e ela (sua mulher) é quem tem de estar trabalhando, sustentando meus dois filhos.

Tu sabias que poderia causar um acidente?
Nunca imaginei que iria acontecer aquilo. Aconteceu. Foi uma fatalidade. Olha a chuva que estava naquele dia. Não é só botar a fatalidade no álcool e não falar da chuva.

Já paraste para pensar nos efeitos do acidente na família que estava no outro carro?
Já pesei os dois lados. Se fosse com a minha família eu também ia querer que o cara estivesse preso. Todo mundo pensa igual. Nesse caso não tem o que se falar.

A consciência ficou abalada?

Com certeza. Quando tu vais dormir, tu lembras. Tudo o que tu estás passando aqui e a tua família está passando lá. Eu acho que não era o caso de tanto tempo estar aí dentro (no presídio), por uma coisa que eu não tive culpa, que não quis fazer. Se eu quisesse fazer, tudo bem.

Hoje, se tivesses oportunidade de pegar um carro, beber e dirigir, farias de novo?
Não. Nem quero ver carro na minha frente por um bom tempo. Nem sei se vou dirigir carro daqui para frente.

A lei oferece oportunidades diferentes para quem tem mais recursos?
Se tu tiveres dinheiro, não ficas preso. Depois do que aconteceu comigo, com quantos já aconteceu e quantos estão presos? Nenhum. Só eu.

O Altair de hoje é diferente do Altair do acidente?
Tu nunca mais vai ser o mesmo depois de ter estado aqui dentro. Só pelo fato de tu saberes que teus filhos estão lá fora passando necessidade, não vais ser o mesmo. Um dia que teu filho passar necessidade, o resto da tua vida tu vais lembrar daquele dia.

Se pudesses falar com a viúva do rapaz que faleceu no acidente, o que diria?

Não sei, assim. Pediria desculpas. Foi uma fatalidade.



"Este cara acabou com a minha vida"

Entrevista com Janaína da Silva Estigarriba (na foto acima, ao lado da filha Larissa), dona de casa, 33 anos, que perdeu marido e filho em acidente

Quais as tuas lembranças do acidente?

Quando olhei para frente, eu só disse assim: "cuidado!". Porque aquele carro já vinha no alto. Ele já nos pegou voando. Aquilo foi muito rápido. E o que ele (Lissandro, o marido) pôde fazer, ele fez. Ele tirou o carro para o lado. Sempre digo que ele salvou a nossa vida, minha e da filha dele. Mas o carro pegou em cheio neles. Foi horrível. Vi que me bati e que estava bem. Eu ouvia as crianças e não ouvia o Lissandro. Tinha bastante gente na frente do shopping, muitos jovens que estavam indo para festas.

E o que aconteceu depois?
Fiquei presa e gritava desesperada para eles tirarem os meus filhos. Só pensava nos meus filhos. Em nenhum momento, eu lembrei do Lissandro, sabe? Vi que a Larissa reagiu, mas que o Igor não reagia. Depois, pensei: "Meu Deus, meu Deus, e o Lissandro que não reage?" Aí tentei me virar e não enxerguei mais ele. (Janaína chora). Estava com todo o carro em cima do rosto dele, todo amassado. E o Igor, eu olhava para trás e gritava, porque não enxergava. A Larissa começou a chorar desesperada pelo mano e pelo pai e foi a primeira a ser retirada do carro. Quando me tiraram, tentei fazer a volta. Mas o pessoal já tinha visto o estado do Igor e do Lissandro e não me deixou (choro). Me levaram para a frente da parada de ônibus.

Tu ficaste lá?
Foi horrível porque os bombeiros e os médicos não chegavam nunca. Só pensava que eles estivessem machucados. Nunca imaginei que eles estavam mortos. Pensei que só estavam presos nas ferragens, que não era nada grave.

Como a Larissa lida com a ausência do pai e do irmão?
A gente conversa. No dia 4, ela fez aniversário. E é quando a saudade bate. Saudade ela tem todos os dias, porque fala todo santo dia no pai e no mano. A gente está conversando um assunto e ela tem de botar o mano (Igor) e o pai na conversa. "Tu lembra que o pai fazia isso, que o mano fazia aquilo?" E acaba sempre em um choro. Ela não fala muito diretamente sobre o assunto para não me machucar, e eu não falo muito para não machucá-la. Mas dia desses ela desabou, começou a chorar. Isso pode amenizar, mas vai ser para sempre.

O que mudou na tua vida?
Para falar a verdade, este homem (Altair, motorista do Gol) acabou com a minha vida (choro). Não posso esquecer que ele fez aquilo tudo e nem sequer socorreu a gente. Nem ajuda ele nos deu. Ele fugiu do local.

O que tu dirias a ele?
Não sei qual seria a minha reação. Só sei dizer que quero justiça. Ficar sabendo que ele está preso me deu um alívio. Saber que pelo menos ele está lá ainda. Quero que seja julgado e condenado. Porque ele tirou a minha família de mim. Ficamos só eu e a Larissa. A família dele está lá, do lado dele, e nós estamos aqui, sozinhas. Depois do que aconteceu, tu perdoarias Altair?
Não perdoo ele. Pelo menos agora, não. Está muito recente. Não digo que a gente não tenha de perdoar, mas agora, não.

QUAL DEVE SER A PUNIÇÃO PARA MOTORISTAS BÊBADOS?

ZERO HORA 15/02/2015 | 04h01

por Marcelo Monteiro



Penalidades a quem dirige embriagado aumentam, mas, mesmo em caso de homicídio de trânsito, condutores raramente cumprem prisão em regime fechado. Multas e serviços comunitários são suficientes para inibir a mistura de álcool e direção?



Colisão entre um Corsa e uma Ecosport matou uma jovem na Capital em novembro de 2013 Foto: Dani Barcellos / Agência RBS

A cada acidente fatal envolvendo motoristas embriagados, o roteiro se repete: preso em flagrante, o condutor é libertado dias – às vezes, horas – depois, sob pagamento de fiança, e acaba respondendo ao processo em liberdade.

No Natal, sob efeito de álcool, um motorista perdeu o controle do veículo e invadiu a pista contrária em Capão da Canoa, matando uma motociclista e deixando a caroneira em estado gravíssimo. No dia seguinte, recebeu da Justiça o direito de responder em liberdade.

Em situações como essa, para uma parcela da população resta a sensação de impunidade. Mas, ao final de cada processo, é possível falar que não houve punição?


Conforme dados da Corregedoria-Geral da Justiça do Estado, o número de homicídios culposos de trânsito julgados no Rio Grande do Sul – incluindo os causados por condutores alcoolizados – quintuplicou nos últimos anos, saltando de 962 em 2010 para 4.905 em 2014. Nos julgamentos, o saldo de condenados subiu de 313 para 449. Ou seja, um número maior de motoristas – entre eles, os flagrados bêbados – vem sendo punido ano após ano.

Na maior parte dos casos, as penas se resumem a multas ou a obrigatoriedade de prestação de serviços comunitários. Conclusão inevitável: beber, dirigir e matar ao volante não resulta em cadeia.

– Óbvio que multas e sanções administrativas são insuficientes diante de um crime contra a vida. Mas nem mesmo as penalidades referentes às infrações são aplicadas na proporção desejável, e isso estimula condutas criminosas – diz o consultor da Associação Brasileira de Educação de Trânsito (Abetran) Luís Carlos Paulino.

Para o especialista em educação e segurança no trânsito Eduardo Biavati, mestre em Sociologia pela Universidade de Brasília (UnB), a falta de fiscalização é um dos principais fatores que contribuem para a sensação de impunidade em relação às condutas de risco ao volante, como beber e dirigir.

– A lei pode ser rigorosa, mas depende de uma fiscalização que não é simples. A Operação Lei Seca do Rio de Janeiro, a mais bem estruturada do país, não conseguiu ser reproduzida em nenhum Estado, porque, para se ter uma fiscalização que faça valer o que está na lei, é preciso ter estrutura. A prisão (nos casos de homicídio) é apenas uma das medidas a serem tomadas a partir da lei. E as outras? Resultado: as pessoas sentem que não dá em nada – diz Biavati.

Em vídeo, assista a trechos das entrevistas de Altair Teixeira Carvalho, acusado de matar pai e filho no trânsito, e de Janaína Estigarriba da Silva, que perdeu o marido e o filho:


Juiz da Corregedoria-Geral da Justiça do Estado, Eduardo Lucas Almada avalia que o cenário mudou nos últimos anos. Para ele, mesmo que a atuação da Justiça não seja percebida de forma tão evidente pela população, em razão dos ritos e prazos processuais a serem cumpridos em cada processo e, principalmente, pela própria impossibilidade de condenação em regime fechado, o Código de Trânsito Brasileiro (CTB), em vigor desde 1998, modificou radicalmente o tratamento aos delitos cometidos por motoristas:

– Antes, muitas condutas não eram punidas, e agora são. Tem muita gente que está sendo punida – garante Almada.

Em ascensão nos últimos anos, indicadores como multas e processos administrativos por embriaguez levados a cabo pelo Departamento Estadual de Trânsito (Detran) mostram o esforço do Estado em punir a irresponsabilidade ao volante. Ao mesmo tempo, outro indicador aponta que o recrudescimento da fiscalização pode estar surtindo efeito: em Porto Alegre, cidade que conta com barreiras diárias da operação Balada Segura, a média diária de prisões por embriaguez ao volante vem caindo (de 1,3 em 2012 para 1,06 em 2014).

Educação para mudar a cultura

Para o chefe de Divisão de Cassação e Suspensão de Condutores do Detran, Anderson Paz Barcellos, o maior número de abordagens, de penalidades aplicadas e de carteiras recolhidas contribui para que, aos poucos, os motoristas tornem-se mais prudentes:

– As penalidades, na esfera administrativa e na penal, são muito duras. A gente tenta também mudar essa questão de forma educacional, para que, no futuro, possamos, de uma forma mais ampla, mudar a cultura do trânsito.


COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - Só educação não resolve. Se resolvesse, um Estado não precisaria de leis, de justiça e de polícia. Há pessoas muito bem educadas (inclusive autoridades superassalariadas) que são as piores transgressoras, pois desrespeitam a lei, desmoralizam a justiça e chega a nivelar o agente fiscal a um mero serviçal. A propósito, alguém conhece um país sem lei? Portanto, só educação é utopia e ingenuidade quando se trata de conivência entre pessoas. Agora, se juntar educação mais justiça (aplicadora coativa das leis) os resultados poderão garantir uma cultura de solidariedade e de respeito às leis, à justiça, à autoridade e os direitos de terceiros.

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

POR DIA,TRÊS MORTOS NAS ESTRADAS

 ZERO HORA 09 de fevereiro de 2015 | N° 18068


GUILHERME JUSTINO*


TRÁGICA ESTATÍSTICA. RODOVIAS ESTADUAIS E FEDERAIS registraram 991 mortes em 2014, redução de 3,7% em relação ao ano anterior



As estradas estaduais e federais no Rio Grande do Sul levaram 991 pessoas a um caminho sem volta no ano passado. Foram quase três vítimas fatais por dia devido a colisões, atropelamentos e capotamentos – grande parte causada pela imprudência de motoristas, mas, às vezes, também reflexo de problemas como a falta de estrutura e manutenção de rodovias.

Os números, embora ainda sejam alarmantes, trazem um alento: a quantidade de óbitos em decorrência de acidentes de trânsito nessas vias em 2014 é 3,7% inferior à do ano anterior, quando 1.029 vidas foram ceifadas. De acordo com o professor do Laboratório de Sistemas de Transportes da UFRGS, João Fortini Albano, como a diferença em relação a 2013 é pequena, os dados indicam uma estabilização e não uma tendência de queda, apesar do recuo após dois anos de alta.

– A majoração das multas nas ultrapassagens, a presença mais efetiva de fiscalização com novos equipamentos e os pardais retornando às estradas, e talvez uma maior conscientização por parte dos motoristas são fatores que podem ter contribuído com essa redução – explica Albano.

Entre as rodovias federais, metade do número de acidentes com mortos se concentra em apenas três estradas: a BR-116, a BR-290 e a BR-386. São vias que passam pela Região Metropolitana e cortam o Rio Grande do Sul, atravessando movimentados centros urbanos, onde, com frequência, são registrados acidentes que, mesmo com a duplicação em alguns trechos, não cessam de acontecer.

Palco de 80 acidentes com mortos em 2014, conforme levantamento da Polícia Rodoviária Federal (PRF), a BR-116 é a rodovia mais perigosa do Estado. Para chegar a essa conclusão, a reportagem se baseou no número de acidentes com óbitos por via – critério que, segundo o professor Albano, é o mais adequado por refletir a quantidade de situações de risco. Ainda em obras que se arrastam há mais de dois anos, a estrada é marcada pelo grande fluxo de veículos em cidades como Novo Hamburgo e São Leopoldo, além da intensa presença de caminhões que escoam a produção do Estado até o porto de Rio Grande, no Sul.

BR-386 TEM MENOS VÍTIMAS

A falta de duplicação no trecho da Serra e a escassez de passarelas na área urbana, onde há grande cruzamento de pedestres, são os principais motivos para tornar a rodovia tão perigosa, na avaliação do inspetor João Francisco Ribeiro de Oliveira, chefe da 1ª Delegacia da PRF no Estado. Ele explica que é preciso melhorar a estrutura da rodovia, principalmente na entrada e saída das cidades da Região Metropolitana cortadas pela BR-116.

A mortalidade em duas outras importantes rodovias também é alta. A BR-290 – responsável por uma das principais ligações com o litoral, cortando o Estado de Leste a Oeste – registrou 66 acidentes com vítimas fatais no ano passado. Ali, um dos principais problemas, conforme Oliveira, são os trechos nas imediações da Arena, na Capital, que registram alto índice de atropelamentos. O excesso de velocidade dos condutores a caminho das praias é outro fato apontado como desencadeador de fatalidades.

A BR-386, que liga o Noroeste à Região Metropolitana e em 2013 foi a mais violenta do Rio Grande do Sul, teve 60 acidentes com mortes em toda sua extensão. No trecho sob responsabilidade da delegacia da PRF em Lajeado, 40% das mortes foram decorrentes de colisões frontais – que somam apenas 3% do total de acidentes.

– O alto fluxo de veículos, especialmente caminhões, contribui para o número de mortes. Nós temos investido na fiscalização. Desde 2008, o fluxo aumentou em 80%, mas o índice de vítimas fatais tem diminuído – explica o inspetor Leandro Wachholz, chefe substituto da delegacia da PRF em Lajeado.

* Colaborou Cleidi Pereira




CONTRAPONTOS
O QUE DIZ A EGR
Responsável pelo trecho da ERS-239 com maior número de mortes entre as rodovias estaduais, a Empresa Gaúcha de Rodovias (EGR) informa que está em andamento uma licitação para construção de quatro passarelas na rodovia. As obras em estudo e sem previsão para saírem do papel são para os quilômetros 24, 29, 43 e 51, em Campo Bom, Sapiranga, Parobé e Taquara, respectivamente. A EGR também destaca que, no ano passado, construiu uma passarela em Parobé em um ponto onde havia bastante acidentes.
O QUE DIZ O DNIT
Conforme o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), a BR-116, que possui 660 quilômetros de extensão no RS, recebe “investimentos permanentes”. O órgão ressaltou que tem contratos para “manter a estrada em condições de trafegabilidade e segurança” e que o trecho que mais registrou mortes em 2014, entre Morro Reuter e Esteio, é o que mais recebe investimentos. Segundo o Dnit, estão em elaboração projetos de 20 intervenções na pista e de construção de 20 passarelas ao longo de 38,5 quilômetros, entre Novo Hamburgo e Porto Alegre.