quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

Medidas pela preservação da vida no trânsito


Vai longe o tempo em que os acidentes de trânsito eram considerados fatalidades, obras do acaso que nos chocavam a todos. A Organização Mundial de Saúde tem se esforçado em comunicar o seu caráter de epidemia global, com causas definidas e múltiplas, e que precisa ser ferozmente combatida. A situação é verdadeiramente dramática, e o número de mortos provocados por estas causas evitáveis só é menor do que as oriundas de doenças cardio-circulatórias.

" Não basta apenas tornar as leis mais rigorosas, é necessário, e imprescindível, aprimorar a fiscalização "

Assim, toda e qualquer medida que tenha como objetivo reduzir o número de vítimas desta epidemia deve ser louvado. O endurecimento das leis de trânsito tem um significado muito positivo e conta com total apoio da Associação Brasileira de Medicina de Tráfego (Abramet). Tem sido assim nos países que decidiram não tolerar a epidemia de mortes e ferimentos relacionados ao trânsito. Entretanto, é preciso lembrar que não basta apenas tornar as leis mais rigorosas, é necessário, e imprescindível, aprimorar a fiscalização e a capacitação dos agentes públicos responsáveis por esta tarefa. Sem este controle corremos o risco de, rapidamente, transformar em letra morta as novas normas.

Existe um consenso entre todos os que trabalham em favor da diminuição dos acidentes de trânsito no país de que o Código de Trânsito Brasileiro, que completou recentemente 10 anos, é um bom código, mas que a própria dinâmica da evolução social e tecnológica torna obrigatória sua atualização. "A lei está sempre a reboque da necessidade social", afirmam com razão os juristas.

Entre as novas medidas, a diminuição do limite de dosagem alcoólica para os motoristas terá resultados bastante positivos, mas ainda assim é insuficiente, pois deixa espaço para que ainda dirijam sob o efeito do álcool. A ingestão de um copo de cerveja, por exemplo, tem efeitos diferentes para cada tipo de constituição física. Dessa maneira, a Abramet defende que o limite seja zero! Reiteramos: não existe limite de alcoolemia que possa ser considerado seguro para a condução de veículos automotores. Mesmo pequenas doses interferem na capacidade cognitiva, imprescindível para a administração dos riscos inerentes ao ato de dirigir.

" Não existe limite de alcoolemia que possa ser considerado seguro para a condução de veículos automotores "

Aumentar a punição e imputar condenação criminal para motoristas que dirigem embriagados, ou que praticam "rachas", também é um fator relevante e positivo de mudança. O potencial de agressão à vida humana implícito em tais ações exige proporcionalidade equivalente na punição. Só assim assumirão o caráter pedagógico de inibir condutas inconvenientes no trânsito.

Para os motociclistas, a proibição de trafegar no chamado "corredor", ou seja, entre as faixas e no meio dos carros é, sem dúvida, uma excelente medida que deveria ter sido adotada há mais tempo e, aliás, constava do texto original do CTB e foi vetada quando da sua promulgação. Vale ressaltar que a proibição já é norma corrente naqueles países em que a vida é levada a sério. O número de acidentes envolvendo motocicletas cresce na mesma proporção do aumento da frota desses veículos - de 3,7 milhões em 2001 para 8,1 milhões em 2005. Em 2001, cerca de 3 mil motociclistas perderam a vida em acidentes de trânsito em todo o país, número que se elevou, em 2004, para mais de 5 mil mortos.

Essas medidas sinalizam um novo posicionamento do Poder Público no enfrentamento do grave problema de saúde pública representado pelo acidente de trânsito. Afinal, apontam na direção da preservação da vida dos cidadãos, dever constitucional do Estado.

José Montal é diretor científico da Associação Brasileira de Medicina de Tráfego (Abramet)

Publicada em O Globo 12/02/2008

Comentário do Bengochea - No Brasil existe um sentimento de tolerância e as lei são sempre abrandadas assim que sofrer a primeira crítica. Parece que não são estudadas e nem avaliadas pela justiça antes de serem sancionadas e publicadas. O trânsito também sofre com esta postura. Na construção das estradas não há controle e fiscalização do material usado e nem a preocupação com segurança (vejam as curvas, buracos e acostamentos nas várias rodovias pelo Brasil). No policiamento e fiscalização das rodovias ocorre uma intervenção federal com agentes federais atuando no espaço das polícias estaduais. De nada adianta proibir a bebida alcoólica se não houver prisão imediata e punição rigorosa aos infratores, assim como multas sendo aplicadas no momento dos fatos e emitida pelos policiais. Se houver corrupção, se identifica e coloca o agente para a rua. A tolerância deve ter limites e com ela uma maior aproximação da justiça nas questões de ordem pública, criando juizados de instrução (ou de garantia como existe em outros países), para, sem morosidade ou intermediários, julgar e penalizar os responsáveis pelas mazelas que causarem acidentes e mortes no trânsito.


sexta-feira, 1 de fevereiro de 2008

O rigor como freio para deter a violência no trânsito

O rigor como freio


Editorial de Zero Hora de 26 de janeiro de 2008

A solução definitiva para implantar um trânsito educado, seguro e responsável pode não ser a do aumento das punições para os infratores, mas certamente esse é um passo indispensável para que se obtenha aquele resultado. Neste sentido, é claramente positiva a intenção do governo federal de, via Ministério da Justiça, encaminhar ao Congresso um conjunto de medidas que visam impor penas e multas mais severas para os infratores das leis do trânsito. Dez anos depois do início da vigência do Código de Trânsito Brasileiro (CTB) e depois de oscilações do poder público em relação ao caminho a ser adotado, finalmente parece que as autoridades estão convencidas de que, ao lado das demais medidas de educação e conscientização, a lei só será efetivamente cumprida se de sua infração resultarem punições que pesem no bolso ou restrinjam direitos dos faltosos, inclusive com a privação da liberdade quando for o caso.

A primeira das ações previstas é a atualização do valor das multas, com o que, indiretamente, o poder público reconhece o equívoco cometido em 2006 quando adotou uma posição exatamente inversa, reduzindo tal valor e eliminando algumas das multas mais pesadas. Depois dessa decisão - e provavelmente por causa dela - , o número de infrações simplesmente dobrou, como reconhecem autoridades do Ministério da Justiça. Além disso, o balanço da primeira década de aplicação do CTB aponta para uma degradação do conceito e do próprio prestígio desse instrumento legal. Nascido sob tantas e tão promissoras expectativas, o código não conseguiu confirmá-las na prática, infelizmente. A violência das ruas e das estradas brasileiras é atestado de um, talvez, fracasso da lei e, certamente, da falência daquelas expectativas.

A incapacidade de fazer valer as punições, ou seja, a admissão de que há impunidade em relação aos crimes de trânsito, funcionou como um fator de desprestígio e de descrédito. Não basta, por isso, que o novo pacote de medidas se restrinja a ampliar a pena, aumentar a multa ou estabelecer critérios mais rigorosos para a admissão de novos condutores. É preciso também que dessas disposições legais resulte um processo mais rápido, que se reduzam as instâncias e as possibilidades de recursos e protelações e que as penas e multas aplicadas sejam cumpridas ou pagas. Os procedimentos administrativos e judiciais que hoje representam uma espécie de roteiro para a impunidade terão que ser reestudados e reformados. Sem falar que, por motivos diversos, municípios e Estados nem sempre têm condições de mobilizar recursos humanos e materiais indispensáveis para atender às demandas da realidade e da lei.

Reencaminhar a questão do trânsito no Brasil é um desafio para o qual estamos todos - governo e cidadãos - convocados.

A visão da RBS - Os procedimentos administrativos e judiciais que hoje representam uma espécie de roteiro para a impunidade no trânsito terão que ser, eles também, reestudados e reformados.

Comentário do Bengochea - De nada adiantará o rigor se estas medidas ficarem restritas às funções precípuas do Executivo e do Legislativo. O Judiciário deveria acompanhar esta dinâmica com a agilização dos processos e decisões duras contra verdadeiros crimes no trânsito. Só a educação não resolve, as leis penais e civis deveriam se integrar para apreender bens e punir a negligência, a imperícia e a imprudência no trânsito, tanto daqueles que dirigem como daqueles que são os responsáveis pela construção, manutenção e fiscalização das vias.